sábado, 12 de agosto de 2017

BANDIDOLATRIA. O QUE DEFENDEMOS É ISENÇÃO



ZERO HORA 12 de Agosto de 2017 . DUAS VISÕES


O QUE DEFENDEMOS É ISENÇÃO





No seu manifesto, aqueles que se dizem os verdadeiros defensores da sociedade cortejam, de uma forma perigosa, os sentimentos de uma população constantemente estimulada pelos meios de comunicação a viver num clima de insegurança e medo. A quem isso interessa?

Parecem esquecer ou não querer enxergar que vivemos numa sociedade dividida em classes, na qual boa parte da sua população vive excluída desde a infância de cuidados com sua educação e saúde, estando, por óbvio, mais propensa ao crime do que aquela que tem família estruturada.

Será que aceitam que algumas pessoas nascem predispostas ao crime? E quais seriam essas pessoas?

Há alguns anos, em Munique, na Alemanha, sob o pretexto de tranquilizar a população ordeira e trabalhadora, surgiu o manifesto a favor da ordem e contra os dissidentes sociais. Nascia, ali, a semente de uma das ditaduras mais monstruosas que o mundo já conheceu e que atingiu, com rigor, todo o sistema de Justiça alemão.

Naquela ocasião, a Justiça, pressionada pelo RSHA ? a Secretaria Central de Segurança do Reich ?, não apenas cumpria o que determinavam as leis raciais de Nuremberg, como fazia vistas grossas às interferências da Gestapo em seus julgamentos. Em 1942, o ministro da Justiça de Hitler, Georg Thierack, fez um acordo com Heinrich Himmler, que comandava todo o sistema policial alemão, mediante o qual a Justiça comum apenas julgaria os casos que envolvessem alemães. Os que envolvessem principalmente judeus, ciganos e poloneses, ficariam por conta da Gestapo.

Esperamos estar muito longe desse tipo de Justiça!

O manifesto dos promotores ? de alguns, diga-se de passagem ? tem a clara intenção de pressionar juízes e jurados a desconsiderar as causas sociais que levam muitas pessoas a praticar determinados crimes. Também se mostra extremamente nefasto quando adjetiva como ?bandidólatras? aqueles que lutam por uma Justiça mais humana.

Como defensora pública, atuando há anos no Tribunal do Júri, penso que minha tarefa é ajudar a manter a equidade que deve existir em todos os julgamentos que decidem sobre a vida de uma pessoa. Em momento algum, pretende-se que os que cometem crimes, principalmente aqueles que causem a morte de outras pessoas, sejam perdoados.

O que se defende é que seus casos, cada um diferente dos outros, sejam examinados com isenção e critérios.

Nunca é demais lembrar que o símbolo da Justiça, a deusa grega Themis, que os romanos chamaram de Justitia, é representada com a espada de São Miguel, o anjo justiceiro, mas tem uma balança para pesar os argumentos de acusados e acusadores com equilíbrio e moderação e os olhos vendados, para que não enxergue nenhum tipo de qualidade ou defeito, a priori, dos acusados.

Enquanto continuarmos vivendo num Brasil onde as injustiças sociais, em vez de serem atenuadas, só crescem; onde existe um governo nascido de um golpe parlamentar que parece decidido a lançar cada vez mais os brasileiros no desemprego e na miséria, mais e mais veremos as salas do Tribunal do Júri repletas de acusados.

Juízes, jurados, promotores e advogados de defesa, mais do que nunca, precisarão estar cônscios de seus papéis e não agir como justiceiros, mas, sim, defensores de uma justiça igual para todos, severa, mas também humana.


TATIANA K. BOEIRA Defensora pública tatiana-boeira@dpe.rs.gov.br