sábado, 24 de dezembro de 2011

A OAB E A DEFENSORIA PÚBLICA

OPINIÃO O Estado de S.Paulo - 24/12/2011


Aprovado pelas comissões técnicas da Assembleia Legislativa de São Paulo, já pode ser votado pelo plenário o projeto de lei que transfere, da Defensoria Pública para a Secretaria de Justiça e Cidadania, a gestão do Fundo de Assistência Judiciária. O projeto foi apresentado pelo deputado Campos Machado (PTB), mas suas diretrizes foram elaboradas pela OAB.

A seccional paulista da OAB alega que cerca de 47 mil advogados prestam atendimento jurídico a 1,8 milhão de pessoas carentes por ano, com base em convênio firmado com o governo estadual, e acusa a Defensoria Pública estadual de atrasar o pagamento devido a esses advogados. A Defensoria responde que advogados participantes do convênio - que ganham por processo - muitas vezes querem receber por trabalhos não previstos pelas regras do Fundo de Assistência Judiciária e que as certidões para recebimento de honorários são enviadas com irregularidades.

O embate entre a OAB e a Defensoria Pública é antigo, ocorre em quase todo o País e se tornou mais acirrado à medida que o mercado de trabalho ficou saturado, por causa da proliferação de faculdades de direito. Como a oferta de profissionais é maior do que a demanda por seus serviços, advogados sem clientes recorrem aos convênios de assistência judiciária para fechar as contas.

Em São Paulo, o primeiro convênio foi firmado em 1984, durante o governo Montoro, quando a então Procuradoria de Assistência Judiciária - vinculada à Procuradoria-Geral do Estado - não dispunha de profissionais em número suficiente para dar atendimento jurídico gratuito. O problema era especialmente grave na área penal - foi por causa da falta de assistência legal que o sistema prisional foi cenário, na época, de violentas rebeliões. O convênio foi sendo renovado com a seccional da OAB até que, em 1988, considerando que a assistência jurídica gratuita à população pobre é obrigação do poder público, a Constituição obrigou a União e os Estados a criarem Defensorias Públicas. Segundo os constituintes, se o Estado dispõe de um juiz para julgar e de um promotor de Justiça para acusar, deveria completar o quadro um defensor devidamente concursado.

Apesar da determinação constitucional, São Paulo demorou 18 anos para criar a Defensoria estadual - só instalada após uma campanha deflagrada por mais de 400 movimentos sociais, ONGs e entidades da sociedade da civil. Depois da realização de concurso para a seleção de 400 defensores para atuar na capital e nos municípios mais populosos, a Defensoria Pública de São Paulo adotou novos critérios para a renovação do convênio com a OAB, rejeitou os pedidos de reajuste das tabelas de honorários e procurou circunscrever a contratação de advogados conveniados a locais onde não havia defensores. A Defensoria alegou que, com isso, faria uma economia que permitiria a contratação de mais 1,2 mil defensores públicos e a instalação de unidades de atendimento em todas as comarcas do Estado - o que tornaria o convênio com a OAB desnecessário.

A entidade de classe reagiu - e o projeto do deputado Campos Machado, transferindo o controle do Fundo de Assistência Judiciária para a Secretaria de Justiça, é fruto dessa reação. Desde que ele foi apresentado, entidades da sociedade civil, institutos de pesquisa, movimentos sociais e ONGs se mobilizaram para tentar impedir sua aprovação. A mesa da Assembleia pretendia colocá-lo em votação ainda este ano, mas, cedendo às pressões, retirou-o temporariamente da pauta. Além de considerar o convênio oneroso para os cofres públicos, os críticos do projeto acusam a OAB de tentar perpetuar um modelo de assistência jurídica que atende mais às necessidades de advogados sem clientela do que as pessoas por eles assistidas e lembram que os defensores, além de concursados, trabalham em regime de dedicação exclusiva - o que não ocorre com os advogados conveniados.

Essas críticas são procedentes. Por que o governo precisa pagar advogados particulares para atender pessoas carentes se já existe um órgão público encarregado dessa tarefa?

Nenhum comentário:

Postar um comentário